RESOLUÇÃO Nº 243, DE 18 DE OUTUBRO DE 2021
RESOLUÇÃO Nº 243, DE 18 DE OUTUBRO DE 2021
Dispõe sobre a Política Institucional de Proteção
Integral e de Promoção de Direitos e Apoio às
Vítimas.
O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no exercício das
atribuições conferidas pelo art. 130-A, §2º, I, da Constituição Federal e com fundamento nos
arts. 147 e seguintes e no art. 157 de seu Regimento Interno, em conformidade com a decisão
plenária proferida na 15ª Sessão Ordinária, realizada nos dias 18 e 19 de outubro de 2021, nos
autos da Proposição nº 1.00705/2019-71;
Considerando que a Constituição Federal é regida pelo princípio da prevalência dos
direitos humanos (art. 4º, II), sendo a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) um de seus
fundamentos;
Considerando que a vítima de criminalidade merece especial proteção quanto aos seus
direitos, inclusive direito à reparação do dano decorrente do crime que sofreu, conforme
disposto no art. 245 da Constituição Federal;
Considerando que os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
dos quais a República Federativa do Brasil seja parte;
Considerando que a Resolução nº 40/34 da ONU, aprovada pela Assembleia Geral em
29 de novembro de 1985, além de trazer conceito amplo de vítima, recoloca-a em posição mais
relevante no processo penal e estabelece direitos, entre os quais, o acesso à justiça, o tratamento
equitativo, o direito à informação sobre seus direitos, o direito à rápida restituição e reparação,
além da adoção de meios extrajudiciários de solução de conflitos, incluindo a mediação, a
arbitragem e as práticas de direito consuetudinário ou as práticas autóctones de justiça, quando
se revelem adequadas, para facilitar a conciliação e obter a reparação em favor d as vítimas;
Considerando que a criminalidade representa um dano para a sociedade, bem como uma
violação dos direitos individuais, e que, como tal, as vítimas da criminalidade deverão ser
reconhecidas e tratadas com o pertinente cuidado e profissionalismo;
Considerando a necessidade de formação, aperfeiçoamento e qualificação
especificamente voltados às políticas de proteção de vítimas no processo penal;
Considerando que se deve observar a situação pessoal e as necessidades imediatas, a
idade, o gênero, eventual deficiência e maturidade das vítimas, para que possa haver a correta
e adequada proteção;
Considerando que o Ministério Público deve zelar pela correta aplicabilidade da
legislação (art. 91, I, do Código Penal; art. 387 do Código de Processo Penal; e art. 116 da Lei
nº 8.069, de 13 de julho de 1990) e, para tanto, possui legitimidade para postular, no bojo da
denúncia ou da representação, pedido de reparação mínima dos danos em favor da vítima de
infração penal ou ato infracional, bem como daquelas oriundas de desastres naturais,
calamidades públicas e graves violações dos direitos humanos, garantindo a inserção da vítima
no processo;
Considerando que os postulados constitucionais e tratados internacionais de direitos
humanos e de vítimas de criminalidade, ao assegurar a rápida e integral reparação do dano
reconhecida nas sentenças condenatórias, referem não apenas ao dano material, mas também
aos danos morais, RESOLVE:
CAPÍTULO I
DA POLÍTICA INSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO INTEGRAL E DE PROMOÇÃO
DE DIREITOS E DE APOIO ÀS VÍTIMAS
Art. 1º Esta Resolução estabelece a Política Institucional de Proteção Integral e de
Promoção de Direitos e de Apoio às Vítimas, com o objetivo de assegurar direitos
fundamentais às vítimas de infrações penais, atos infracionais, desastres naturais, calamidades
públicas e graves violações de direitos humanos, garantindo-lhes acesso à informação,
comunicação, participação, verdade, justiça, diligência devida, segurança, apoio, tratamento
profissional individualizado e não discriminatório, proteção física, patrimonial, psicológica e
de dados pessoais, participação e reparação dos danos materiais, morais e simbólica, suportados
em decorrência do fato vitimizante.
Art. 2º As unidades do Ministério Público deverão implementar, gradualmente e de
acordo com sua autonomia administrativa, Núcleos ou Centros de Apoio às Vítimas, levando
em consideração a gravidade, a magnitude e as características do fato vitimizante, e a
consequente violação de direitos, sendo orientados pelos princípios da dignidade, da igualdade,
do respeito, da autonomia da vontade, da confidencialidade, do consentimento e da informação,
sem prejuízo do atendimento rotineiro das vítimas pelo órgão ministerial.
CAPÍTULO II
DIRETRIZES DE ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS
Art. 3º Entende-se por vítima qualquer pessoa natural que tenha sofrido danos físicos,
emocionais, em sua própria pessoa, ou em seus bens, causados diretamente pela prática de um
crime, ato infracional, calamidade pública, desastres naturais ou graves violações de direitos
humanos, sendo destinatários da proteção integral de que trata a presente Resolução:
I - vítima direta: aquela que sofreu lesão direta causada pela ação ou omissão do agente;
II - vítima indireta: pessoas que possuam relação de afeto ou parentesco com a vítima
direta, até o terceiro grau, desde que convivam, estejam sob seus cuidados ou desta dependam,
no caso de morte ou desaparecimento causado por crime, ato infracional ou calamidade pública;
III - vítima de especial vulnerabilidade: a vítima cuja singular fragilidade resulte,
especificamente, de sua idade, do seu gênero, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem
como do fato de o tipo, o grau e a duração da vitimização terem resultado em lesões com
consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições de sua integração social;
IV - vítima coletiva: grupo social, comunidades ou organizações sociais atingidas pela
prática de crime, ato infracional ou calamidade pública que ofenda bens jurídicos coletivos, tais
como a saúde pública, o meio ambiente, o sentimento religioso, o consumidor, a fé pública, a
administração pública;
V - familiares e pessoas economicamente dependentes da vítima;
§ 1º Aplicam-se às pessoas jurídicas vítimas, no que couber, as medidas de proteção e
os direitos assegurados nesta Resolução.
§2º Devem ser priorizadas as vítimas de infrações penais e atos infracionais que, pela
condição de vulnerabilidade em decorrência da idade, do gênero, de deficiência, pelo estado de
saúde ou pelas condições, natureza e duração da vitimização causada pelo delito, tenham
experimentado consequências físicas ou psíquicas graves.
§ 3º Entende-se por fato vitimizante a ação ou omissão que causa dano, menoscaba ou
coloca em perigo os bens jurídicos ou direitos de uma pessoa, convertendo-a em vítima,
podendo ser tipificados como crime, ato infracional, ou constituir uma violação dos direitos
humanos reconhecidos pela Constituição Federal ou por tratados internacionais dos quais o
Brasil seja parte.
CAPÍTULO III
DOS DIREITOS QUE DEVEM SER PROTEGIDOS
Art. 4º Incumbe ao Ministério Público zelar para que sejam assegurados os direitos à
informação, segurança, apoio, proteção física, patrimonial, psicológica, documental, inclusive
de dados pessoais, participação e reparação dos danos materiais, psicológicos e morais
suportados pelas vítimas em decorrência de delitos penais e atos infracionais.
Parágrafo único. A vítima tem o direito de ser protegida contra a repetição de delitos da
mesma natureza e contra a vitimização secundária e terciária.
Art. 5º Informações sobre direitos básicos, serviços de apoio, processos e outros meios
de obtenção de reparação dos danos causados pela infração penal e ato infracional devem ser
prestadas de forma completa e transparente às vítimas.
Art. 6º O Ministério Público diligenciará a fim de que seja assegurada às vítimas a
prestação de apoio e atendimento especializado, por meio de equipe multidisciplinar da própria
instituição ou pelo devido encaminhamento às redes de apoio externas.
Parágrafo único. O Ministério Público fomentará a construção e a consistência das
políticas de atuação em rede, mediante termos de cooperação e parcerias destinadas à
implementação de atendimento das vítimas por equipes multidisciplinares, compostas por
profissionais devidamente habilitados para a proteção integral, de modo a diminuir os efeitos e
danos suportados em decorrência do fato.
Art. 7º O Ministério Público deverá zelar pela proteção da segurança e da vida privada
das vítimas e de seus familiares, mediante aplicação efetiva das medidas de proteção já previstas
na legislação pátria e outras que se afigurem adequadas ao caso concreto, adotando, como
princípio, o estatuto normativo mais protetivo, velando sempre pelo direito de a vítima não ter
contato com o autor do fato, pela proteção de sua intimidade e integridade física e psíquica,
mediante adoção de meios para evitar sua revitimização.
Art. 8º O Ministério Público deverá zelar para que as vítimas tenham participação
efetiva na fase da investigação e no processo, seja por meio da materialização dos direitos de
serem ouvidas, de terem seus bens restituídos, de apresentarem elementos de prova, de serem
comunicadas de decisões no curso do processo, notadamente acerca do ingresso e saída do autor
do fato da prisão, caso assim manifestem interesse, entre outras formas de participação.
Art. 9º O Ministério Público deverá pleitear, de forma expressa, no bojo dos autos, a
fixação de valor mínimo para reparação dos danos materiais, morais e psicológicos, causados
pela infração penal ou ato infracional, em prol das vítimas diretas, indiretas e coletivas.
§ 1º Incumbe ao Ministério Público, orientado pelo princípio da unidade institucional,
implementar políticas, parâmetros e protocolos para a exigência, sempre que possível, da
reparação dos danos materiais e morais das vítimas e familiares em investigações, processos e
acordos celebrados com sua mediação ou participação.
§ 2º Os acordos ou valores recuperados para fins de ressarcimento dos danos suportados
por vítimas ou familiares devem ser devidamente registrados em sistema próprio.
CAPÍTULO IV
DA JUSTIÇA RESTAURATIVA
Art. 10. Incumbe ao Ministério Público implementar projetos e mecanismos de
resolução extrajudicial de conflitos, por meio da negociação, mediação e conferências
reparadoras dos traumas derivados dos eventos criminosos ou de atos infracionais, observandose as diretrizes traçadas nas Resoluções CNMP n
os 118, de 1º de dezembro de 2014, e 181, de
7 de agosto de 2017.
Parágrafo único. O Ministério Público deve implementar políticas de atuação em rede,
mediante termos de cooperação e parcerias destinadas à implementação de políticas
restaurativas, observada a assistência a que se refere o art. 6º, que visem à adesão e à integração
voluntária e esclarecida da vítima.
CAPÍTULO V
DA ATUAÇÃO PREVENTIVA E DIFUSA
Art. 11. Incumbe ao Ministério Público estimular políticas públicas e criar, em sua
estrutura interna, meios de atendimento às vítimas que busquem evitar a revitimização, bem
como núcleos próprios de jurimetria para diagnosticar e produzir uma política de atuação mais
eficaz, resolutiva e preventiva.
Art. 12. Caberá à Presidência do Conselho Nacional do Ministério Público compilar
informações do número de casos atendidos, do número de casos em que se verificou a reparação
dos danos sofridos, das taxas de vitimização, além de outras políticas que permitam a
identificação de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos lesados.
CAPÍTULO VI
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 13. Cada unidade do Ministério Público poderá regulamentar, por ato próprio, as
diretrizes fixadas nesta Resolução, acrescentando outras que se conciliem com suas
especificidades regionais e com a política de proteção integral aqui planejada.
Art. 14. Cada unidade do Ministério Público deverá incluir, obrigatoriamente, como
meta de seu Planejamento Estratégico, tornar a vítima o objeto principal de defesa institucional,
fomentando cursos de formação inicial e de capacitação continuada de membros e servidores,
para atendimento especial de vítimas de infrações penais e atos infracionais.
Art. 15. Os Ministérios Públicos deverão encaminhar ao Conselho Nacional do
Ministério Público planejamento escalonado para implementação dos Núcleos ou Centros de
Apoio às Vítimas.
§ 1º Até a estruturação dos Núcleos ou Centros de Apoio às Vítimas, os Ministérios
Públicos deverão assegurar, na medida do possível, a prestação do serviço por meio de outros
canais de atendimento ao cidadão que estejam em pleno funcionamento, a exemplo das
ouvidorias, dos projetos especializados e dos serviços de acolhimento multidisciplinar.
§ 2º Será criado o Portal Informativo sobre os Direitos das Vítimas, gerenciado pela
Presidência do Conselho Nacional do Ministério Público ou por órgão por ela autorizado,
destinado a fornecer, em linguagem clara e acessível, informações às vítimas, dentre outras,
sobre as reações e consequências de infrações penais ou atos infracionais, os direitos das
vítimas, as fases do processo penal e os atores do sistema de justiça penal.
Art. 16. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília-DF, 18 de outubro de 2021.
ANTÔNIO AUGUSTO BRANDÃO DE ARAS
Presidente do Conselho Nacional do Ministério Público
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