JUIZ DAS GARANTIAS

- A competência do juiz das garantias cessa com o OFERECIMENTO da denúncia.


EMENTA: AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ADI’S 6298, 6299, 6300 E 6305. LEI 13.964, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2019. AMPLA ALTERAÇÃO DE NORMAS DE NATUREZA PENAL, PROCESSUAL PENAL E DE EXECUÇÃO PENAL. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DE ARTIGOS PERTINENTES À ATUAÇÃO DO JUIZ E DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. CRIAÇÃO DO “JUIZ DAS GARANTIAS”. CRIAÇÃO DO “ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL”. INTRODUÇÃO E ALTERAÇÃO DE ARTIGOS NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ARTIGOS 3º-A AO 3º-F, 28, 28-A, 157, § 5º E 310, § 4º. AÇÕES JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. 

[...] MÉRITO. ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA CRIAÇÃO, OBRIGATÓRIA, DAS VARAS DE GARANTIAS EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL, INDEPENDENTEMENTE DAS CONDIÇÕES FINANCEIRAS, ESTRUTURAIS E DE RECURSOS HUMANOS LOCAIS. IMPLEMENTAÇÃO IMEDIATA DETERMINADA PELO LEGISLADOR, COM VACATIO LEGIS DE 30 DIAS, DECORRIDOS DURANTE O RECESSO. REGRAS DE INSTALAÇÃO, FUNCIONAMENTO, IMPEDIMENTO, FISCALIZAÇÃO E COMPETÊNCIAS JUDICIÁRIAS. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DAS LEIS DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA LOCAIS. CONCESSÃO DE NOVO PRAZO. (a) O juiz das garantias, embora formalmente concebido pela lei como norma processual geral, altera materialmente a divisão e a organização de serviços judiciários em nível tal que enseja completa reorganização da justiça criminal do país, de sorte que inafastável considerar que os artigos 3º-A ao 3º-F demandam compatibilização das diversas normas de organização judiciária locais. (b) O juízo das garantias e sua implementação causam impacto financeiro relevante ao Poder Judiciário, especialmente com as necessárias reestruturações e redistribuições de recursos humanos e materiais, bem como com o incremento dos sistemas processuais e das soluções de tecnologia da informação correlatas, a exigir a adaptação das diversas leis de organização judiciária das justiças federal e estaduais. (c) A criação obrigatória dos juízos de garantias, obrigando sua implementação em todas as unidades judiciárias do país, no prazo de 30 dias, analisada sob o ângulo da iniciativa legislativa privativa do Judiciário para dispor sobre normas de organização judiciária, bem como das competências legislativas das unidades federadas, previstas na Constituição, não incorreu em inconstitucionalidade formal. Ressalva do voto do Relator, que entendia aplicável, ao caso, a necessidade de adequação do novo instituto à natureza de norma-quadro, nos moldes adotados, pelo Congresso Nacional, para as Varas de Violência Doméstica (Lei 11.340/2006), restando vencido, no ponto da inconstitucionalidade formal. (d) Reconhecida a manifesta irrazoabilidade da vacatio legis de 30 dias para a implementação da medida em todo o território nacional, composto majoritariamente por localidades dotadas de varas únicas. Realidades locais absolutamente desconsideradas pelo texto normativo, conforme se verifica das manifestações de todos os 27 Tribunais de Justiça juntadas aos autos. (e) Todas as Cortes estaduais de justiça do país são uníssonas em afirmar que haverá elevação de custos e gastos anuais, ante a necessidade de criação de novas varas, de realização de concursos públicos para ingresso de magistrados e de servidores públicos. Afirmam que suas respectivas organizações judiciárias precisarão ser alteradas mediante lei estadual e que a elevação dos gastos com pessoal deverá ser previamente aprovada pelas Assembleias Legislativas. (f) De acordo com o Relatório “Justiça em números”, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2022, há no Brasil, atualmente, mais de 7.500.000 (sete milhões e quinhentos mil) processos criminais em andamento (não-contabilizadas as execuções penais). Destes, em torno de 2.200.000 (dois milhões e duzentos mil) são casos novos. (g) Se imediatamente aplicadas as regras atinentes aos juízes de garantias, seriam fatalmente paralisadas cerca de 5 milhões de ações penais, até que os diversos Estados se reorganizassem e propiciassem a separação da competência dos juízes criminais. (h) Diante da potencial paralisação de todas as ações penais em curso no país e da inviabilização da prestação jurisdicional, deve ser concedido prazo de 12 meses, prorrogável por mais 12 meses, para que sejam adotadas as medidas legislativas e administrativas necessárias à adequação das diferentes leis de organização judiciária, à efetiva implantação e ao efetivo funcionamento do juiz das garantias em todo o país, tudo conforme as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça e sob a supervisão dele. (i) Consequentemente, ratificada a necessidade das medidas cautelares anteriormente concedidas, deve ser declarada a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do art. 20 da Lei 13.964/2019, quanto à fixação do prazo de 30 dias para a instalação dos juízes das garantias. 

DO ARTIGO 3º-A AO 3º-F. JUÍZES DAS GARANTIAS E NORMAS CORRELATAS. I – ARTIGO 3º-A. ESTRUTURA ACUSATÓRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DERIVAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO. VEDAÇÃO, A PRIORI, À INICIATIVA DO JUIZ NA FASE DE INVESTIGAÇÃO E À SUBSTITUIÇÃO DA ATIVIDADE PROBATÓRIA DAS PARTES PELO JUIZ. COMPATIBILIZAÇÃO COM AS NORMAS QUE AUTORIZAM A AUTORIDADE JUDICIAL, PONTUALMENTE, A DIRIMIR EVENTUAL DÚVIDA REMANESCENTE. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. (a) O artigo 3º-A, incluído no Código de Processo Penal pela Lei 13.964, estabeleceu que “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”. (b) A estrutura acusatória do processo penal, prevista na primeira parte do dispositivo, apenas torna expresso, no texto do Código de Processo Penal, o princípio fundamental do processo penal brasileiro, extraído da sistemática constitucional, na esteira da doutrina e da jurisprudência pátrias. [...]. (f) A legítima vedação à substituição da atuação probatória do órgão de acusação significa que o juiz não pode, em hipótese alguma, tornar-se protagonista do processo. Simultaneamente, remanesce a possibilidade de o juiz, de ofício: (a) “determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante” (artigo 156, II); (b) determinar a oitiva de uma testemunha (artigo 209); (c) complementar a sua inquirição (artigo 212) e (d) “proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição” (artigo 385). (g) Diante da obrigatoriedade e da indisponibilidade que caracterizam a ação penal pública no direito processual penal brasileiro, as manifestações do Ministério Público submetem-se ao controle judicial, no âmbito do qual compete aos juízes competentes para o julgamento da ação penal impedir que, direta ou indiretamente, aqueles princípios sejam violados nos autos. Deveras, os institutos da desistência ou da perempção são aplicáveis exclusivamente às ações penais privadas. (h) Como registrado em sede jurisprudencial, “A submissão do magistrado à manifestação final do Ministério Público, a pretexto de supostamente concretizar o princípio acusatório, implicaria, em verdade, subvertê-lo, transmutando o órgão acusador em julgador e solapando, além da independência funcional da magistratura, duas das basilares características da jurisdição: a indeclinabilidade e a indelegabilidade.” (REsp n. 2.022.413/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 7/3/2023.) (i) Nestes termos, o novo artigo 3º-A do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei 13.964/2019, deve ser interpretado de modo a vedar a substituição da atuação de qualquer das partes pelo juiz, sem impedir que o magistrado, pontualmente, nos limites legalmente autorizados, determine a realização de diligências voltadas a dirimir dúvida sobre ponto relevante. 

II – ARTIGO 3º-B. CRIAÇÃO DOS JUÍZES DAS GARANTIAS. CONTROLE DA LEGALIDADE DA INVESTIGAÇÃO. FUNÇÕES TRADICIONAIS DOS JUÍZES NO INQUÉRITO. NECESSIDADE DE CONTROLE DE TODOS OS ATOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA AUTORIDADE JUDICIAL. DEVER DO ÓRGÃO MINISTERIAL DE SUBMETER A INSTAURAÇÃO E O ARQUIVAMENTO DE CADERNOS INVESTIGATÓRIOS DE QUALQUER NATUREZA (INQUÉRITOS, PIC’S E OUTROS) AO CONHECIMENTO E CONTROLE DO JUÍZO DAS GARANTIAS. OBRIGATORIEDADE DA REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA PÚBLICA E ORAL ANTERIORMENTE À PRORROGAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES E À PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. SUBMISSÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. VEDAÇÃO ABSOLUTA AO EMPREGO DE VIDEOCONFERÊNCIA NAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA. IRRAZOABILIDADE. COMPETÊNCIA DO JUIZ DAS GARANTIAS PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ERRO LEGÍSTICO. INCOMPATIBILIDADE COM A SISTEMÁTICA DO INSTITUTO. RELAXAMENTO AUTOMÁTICO DA PRISÃO AO FIM DO PRAZO PARA A CONCLUSÃO DO INQUÉRITO. INCONSTITUCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO DOS DISPOSITIVOS IMPUGNADOS. 

(c) Os incisos IV, VIII e IX tratam da competência do juiz das garantias para a fiscalização de investigações criminais: “IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal; [...] VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo; IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento”. (d) Considerada a frequente instauração de investigações criminais, sob outros títulos que não o de inquérito, deve ser dada interpretação conforme à Constituição aos referidos incisos, de modo a determinar que que todos os atos praticados pelo Ministério Público como condutor de investigação penal se submetam ao controle judicial (HC 89.837/DF, Rel. Min. Celso de Mello) e fixar o prazo de até 90 (noventa) dias, contados da publicação da ata do julgamento, para os representantes do Ministério Público encaminharem, sob pena de nulidade, todos os PIC e outros procedimentos de investigação criminal, mesmo que tenham outra denominação, ao respectivo juiz natural, independentemente de o juiz das garantias já ter sido implementado na respectiva jurisdição. 

(e) (f) O disposto no inciso VI deve submeter-se à interpretação conforme a Constituição, para fins de prever que o exercício do contraditório será preferencialmente em audiência pública e oral. (g) A previsão de audiência pública e oral previamente à produção antecipada de provas consideradas urgentes, contida no inciso VII, o dispositivo deve ser interpretado à luz da Constituição, para estabelecer que o juiz pode deixar de realizar a audiência quando houver risco para o processo, ou diferi-la em caso de necessidade. (h) A competência do juiz das garantias, nos termos do inciso XIV do artigo 3º-B, estender-se-ia até a fase do artigo 399 do Código Penal. O texto do dispositivo prevê competir-lhe “decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código”. Nada obstante, constata-se manifesto erro legístico, porquanto o artigo 399 do Código de Processo Penal estabelece que “Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente”. Trata-se, portanto, de ato de designação da audiência de instrução e julgamento, típica função do juiz da instrução da ação penal. (i) Reconhecido o erro legístico e submetido o inciso XIV à interpretação sistemática, considerada a principiologia inspiradora do instituto do juiz das garantias, a Corte conferiu-lhe interpretação conforme a Constituição, para assentar que a competência do juiz das garantias cessa com o oferecimento da denúncia. 

(j) o preso em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado à presença do juiz das garantias, no prazo de 24 horas, salvo impossibilidade fática, momento em que se realizará a audiência com a presença do ministério pública e da defensoria pública ou de advogado constituído, cabendo, excepcionalmente, o emprego de videoconferência, mediante decisão da autoridade judiciária competente, desde que este meio seja apto à verificação da integridade do preso e à garantia de todos os seus direitos. 

(n) a) o juiz pode decidir de forma fundamentada, reconhecendo a necessidade de novas prorrogações do inquérito, diante de elementos concretos e da complexidade da investigação; e b) a inobservância do prazo previsto em lei não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a avaliar os motivos que a ensejaram, nos termos da ADI nº 6.581. 

III – ARTIGO 3º-C. MATÉRIAS SUBMETIDAS À NOVA SISTEMÁTICA DO JUÍZO DAS GARANTIAS. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO, PARA EXCLUSÃO DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS INCOMPATÍVEIS COM O MODELO. MARCO FINAL DA COMPETÊNCIA DO JUIZ DAS GARANTIAS: OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. AUTOS DO INQUÉRITO. PROIBIÇÃO DE REMESSA AO JUIZ DA INSTRUÇÃO. IRRAZOABILIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO DOS DISPOSITIVOS IMPUGNADOS. 

(a) O artigo 3º-C, caput, do Código de Processo Penal, incluído pela Lei 13.964/2019, delimitou a extensão da competência do juiz das garantias, nos seguintes termos: “A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código”. (b) As razões anteriormente expendidas revelam que o texto impugnado incorreu em erro legístico, do qual deriva a necessidade de restrição da competência para que cesse com o oferecimento da denúncia. (c) Ademais, além das infrações penais de menor potencial ofensivo, de competência dos juizados especiais, a nova sistemática do juiz das garantias não se compatibiliza com o procedimento especial previsto na Lei 8.038/1990, que trata dos processos de competência originária dos tribunais; com o rito do tribunal do júri; com os casos de violência doméstica e familiar. 

(d) Por tais motivos, deve ser atribuída interpretação conforme à primeira parte do caput do art. 3º-C do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, para esclarecer que as normas relativas ao juiz das garantias não se aplicam às seguintes situações: 

(1) processos de competência originária dos tribunais, os quais são regidos pela Lei nº 8.038/1990; 

(2) processos de competência do tribunal do júri; 

(3) casos de violência doméstica e familiar; e 

(4) infrações penais de menor potencial ofensivo. 

(e) Ao mesmo tempo, as referências à competência do juiz das garantias para receber a denúncia, constantes do caput e dos §§ 1º e 2º, do artigo 3º-C, revelam-se inconstitucionais, atribuindo-se interpretação conforme a Constituição no sentido de fixar que a competência do juiz das garantias cessa com o oferecimento da denúncia e, por conseguinte, oferecida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento. 

(f) A Lei 13.964/2019 estabeleceu, ainda, nos §§ 3º e 4º do artigo 3º-C, a vedação do conhecimento dos autos do inquérito pelo juiz da instrução e julgamento, impedindo sua remessa juntamente com a denúncia. (g) Os textos dos dispositivos impugnados têm o seguinte teor: “§ 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado. § 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias.” (h) Constata-se a manifesta irrazoabilidade do acautelamento dos autos do inquérito na secretaria do juízo das garantias, porquanto o fundamento da norma reside tão-somente na pressuposição de que o juiz da ação penal, ao tomar conhecimento dos autos da investigação, perderia sua imparcialidade para o julgamento do mérito. Ocorre que, sem tomar conhecimento dos elementos configuradores da justa causa para a ação penal (indícios de autoria e de materialidade), inviabiliza-se a prolação de decisões fundamentadas. (i) Por conseguinte, declara-se a inconstitucionalidade, com redução de texto, dos §§ 3º e 4º do art. 3º-C do CPP, incluídos pela Lei nº 13.964/2019 e, mediante interpretação conforme, fixar que os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias serão remetidos ao juiz da instrução e julgamento. 

IV – ARTIGO 3º-D. REGRA DE IMPEDIMENTO, PARA A SUBSEQUENTE AÇÃO PENAL, DE MAGISTRADO QUE TENHA PRATICADO QUALQUER DAS COMPETÊNCIAS PREVISTAS NOS ARTIGOS 4º E 5º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. MANIFESTO ERRO LEGÍSTICO. REFERÊNCIA ÀS ATRIBUIÇÕES DA AUTORIDADE POLICIAL, E NÃO ÀS FUNÇÕES JUDICIAIS NO INQUÉRITO. EVIDÊNCIA DA APROVAÇÃO AÇODADA DA MATÉRIA, SEM CONSIDERAÇÃO DOS SEUS EFEITOS SISTÊMICOS PARALISADORES DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL EM MATÉRIA PENAL. PRESUNÇÃO DE PARCIALIDADE DOS JUÍZES, DECORRENTE DO MERO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL. ABSOLUTA IRRAZOABILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO ARTIGO 3º-D, CAPUT, DO CPP, INCLUÍDO PELA LEI 13.964/2019. ARTIGO 3º-D, PARÁGRAFO ÚNICO. CRIAÇÃO DE SISTEMA DE RODÍZIO NAS VARAS EM QUE FUNCIONAR APENAS UM JUIZ. MATÉRIA ATINENTE ÀS LEIS DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. (l) Diante da manifesta irrazoabilidade da norma de impedimento estabelecida no artigo 3º-D do Código de Processo Penal, incluída pela Lei 13.964/2019, deve ser declarada sua inconstitucionalidade material. (m) O artigo 3º-D, parágrafo único, por sua vez, implementa norma típica de organização judiciária, ao dispor que “Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo.” (n) Trata-se de evidente invasão da competência legislativa das unidades federadas (Estados-membros), que são de iniciativa legislativa exclusiva do Poder Judiciário. Com efeito, é firme o entendimento desta Corte no sentido de que “o tema é de organização judiciária, prevista em lei editada no âmbito da competência dos Estados-membros (art. 125 da CRFB)” (ADI 1218, Relator Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 05/09/2002, DJ 08-11-2002; HC 96104, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 16/06/2010, Dje-145; HC 94146, Relatora Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 21/10/2008, Dje-211; HC 85060, Relator Min. Eros Grau, Primeira Turma, julgado em 23/09/2008, Dje-030; HC 91024, Relatora Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 05/08/2008, Dje-157.) (o) Por conseguinte, a par da inconstitucionalidade material do artigo 3º-D, caput,deve ser declarada a inconstitucionalidade formal do respectivo parágrafo único

V – ARTIGO 3º-E. DESIGNAÇÃO DO JUIZ DAS GARANTIAS PELO RESPECTIVO TRIBUNAL. NATUREZA DISCRICIONÁRIA E PRECÁRIA DO ATO DE DESIGNAÇÃO. INCOMPATIBILIDADE COM AS GARANTIAS DA MAGISTRATURA. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. (a) O artigo 3º-E, incluído no Código de Processo Penal pela Lei 13.946/2019, consigna que “O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal.” (b) A designação caracteriza-se como ato administrativo de natureza discricionária e a título precário, incompatível com a garantia da magistratura pertinente à inamovibilidade, pressuposto da independência funcional. (c) Por conseguinte, confere-se interpretação conforme a Constituição ao artigo 3º-E para assentar que o juiz das garantias será investido, e não designado, conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal. 

VII – ARTIGO 28. ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ATO UNILATERAL. AFASTAMENTO DO CONTROLE JUDICIAL. SUBMISSÃO APENAS ÀS INSTÂNCIAS INTERNAS DE CONTROLE. ATRIBUIÇÃO UNICAMENTE À VÍTIMA E À AUTORIDADE POLICIAL DO PODER DE PROVOCAR A REVISÃO DO ATO. INCONSTITUCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. (a) A nova sistemática do arquivamento de inquéritos, de maneira louvável, criou mecanismo de controle e transparência da investigação pelas vítimas de delitos de ação penal pública. Com efeito, a partir da redação dada ao artigo 28 do Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019, passa a ser obrigatória a comunicação da decisão de arquivamento à vítima (comunicação que, em caso de crimes vagos, será feita aos procuradores e representantes legais dos órgãos lesados), bem como ao investigado e à autoridade policial, antes do encaminhamento aos autos, para fins de homologação, para a instância de revisão ministerial. (b) Por outro lado, ao excluir qualquer possibilidade de controle judicial sobre o ato de arquivamento da investigação, a nova redação violou o princípio da inafastabilidade da jurisdição, nos termos do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição. (c) Há manifesta incoerência interna da lei, porquanto, no artigo 3º-B, determinou-se, expressamente, que o juízo competente seja informado da instauração de qualquer investigação criminal. Como consectário lógico, se a instauração do inquérito deve ser cientificada ao juízo competente, também o arquivamento dos autos precisa ser-lhe comunicado, não apenas para a conclusão das formalidades necessárias à baixa definitiva dos autos na secretaria do juízo, mas também para verificação de manifestas ilegalidades ou, ainda, de manifesta atipicidade do fato, a determinar decisão judicial com arquivamento definitivo da investigação. (d) A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido da necessidade e legitimidade constitucional do controle judicial do ato de arquivamento, com o fito de evitar possíveis teratologias (Inquérito 4781, Rel. Min. Alexandre de Moraes). (e) Em decorrência destas considerações, também o § 1º do artigo 28, ao dispor que “Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica”, deve ser interpretado de modo a integrar a autoridade judiciária competente entre as habilitadas a submeter a matéria à revisão do arquivamento pela instância competente. (f) Por todo o exposto, conferiu-se interpretação conforme a Constituição ao artigo 28, caput, para assentar que, ao se manifestar pelo arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público submeterá sua manifestação ao juiz competente e comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial, podendo encaminhar os autos para o Procurador-Geral ou para a instância de revisão ministerial, quando houver, para fins de homologação, na forma da lei, vencido, em parte, o Ministro Alexandre de Moraes, que incluía a revisão automática em outras hipóteses. (g) Ao mesmo tempo, assentou-se a interpretação conforme do artigo 28, § 1º, para assentar que, além da vítima ou de seu representante legal, a autoridade judicial competente também poderá submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, caso verifique patente ilegalidade ou teratologia no ato do arquivamento

VIII – ARTIGO 28-A. INCISOS III E IV E PARÁGRAFOS 5º, 6º E 8º. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. SUBMISSÃO AO CONTROLE JUDICIAL ACERCA DA LEGALIDADE E VOLUNTARIEDADE DO ACORDO. AUTONOMIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. VIOLAÇÃO DA IMPARCIALIDADE OBJETIVA DO MAGISTRADO. INOCORRÊNCIA. NORMAS DECLARADAS MATERIALMENTE CONSTITUCIONAIS. 

(d) As normas impugnadas revelam-se compatíveis, formal e materialmente, com a Constituição da República, porquanto, conforme assentado anteriormente, trata-se de medida que também prestigia o princípio da inafastabilidade da jurisdição e uma espécie de “freios e contrapesos” no processo penal (art. 28-A, § 5°). Constata-se que as alterações legislativas, ao delinearem o instituto da não-persecução penal, apenas positivaram o que já era consagrado pela jurisprudência do STF em relação ao acordo de colaboração premiada. (e) Improcedente, portanto, o pleito de inconstitucionalidade no tocante ao artigo 28-A, incisos III e IV, e §§ 5º, 7º e 8º, do Código de Processo Penal, que devem ser declarados constitucionais. 

IX - ARTIGO 157, § 5º. ALTERAÇÃO DO JUIZ NATURAL QUE CONHECEU PROVA DECLARADA INADMISSÍVEL. INCONSTITUCIONALIDADE DA REGRA DE IMPEDIMENTO AUTOMÁTICO. (

(d) Em conclusão, o artigo 157, § 5º, do CPP, ao estabelecer que o juiz, simplesmente por conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível, não poderá proferir a sentença ou acórdão, revela inconstitucionalidade material manifesta, atentando, ainda, contra as normas insculpidas no artigo 5º, incisos LIII e LXXVIII, da CRFB/1988, concernentes ao juiz natural e à garantia da duração razoável dos processos

X - ARTIGO 310, CAPUT E § 4°, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ILEGALIDADE DA PRISÃO PELA NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO PRAZO DE 24 HORAS. RELAXAMENTO AUTOMÁTICO. INCONSTITUCIONALIDADE. 

(c) A imposição da ilegalidade automática da prisão, como consequência jurídica da não realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas, fere a razoabilidade, uma vez que desconsidera dificuldades práticas locais de várias regiões do país, bem como dificuldades logísticas decorrentes de operações policiais de considerável porte. A categoria aberta “motivação idônea”, que excepciona a ilegalidade da prisão, é demasiadamente abstrata e não fornece baliza interpretativa segura para aplicação do dispositivo. (d) Pelas razões já expendidas quando da análise da constitucionalidade do artigo 3º-B, § 2º, as normas impugnadas devem ser submetidas à técnica da interpretação conforme a Constituição, para adequada observância e aplicação nos casos por ela regidos. (e) Por conseguinte, deve-se atribuir interpretação conforme ao caput do art. 310 do CPP, alterado pela Lei nº 13.964/2019, para assentar que o juiz, em caso de urgência e se o meio se revelar idôneo, poderá realizar a audiência de custódia por videoconferência (f) Confere-se, por fim, interpretação conforme ao § 4º do art. 310 do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, para assentar que a autoridade judiciária deverá avaliar se estão presentes os requisitos para a prorrogação excepcional do prazo ou para sua realização por videoconferência, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva. Ações diretas de inconstitucionalidade julgadas parcialmente procedentes.

(ADI 6298, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 24-08-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 18-12-2023  PUBLIC 19-12-2023)

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